Livros e leitura

Na semana passada, depois de uma conversa com um amigo que é leitor voraz e bibliófilo por natureza, eu voltei a refletir sobre minha vida como leitora. Essa reflexão já havia começado há uns dias atras quando li um texto sobre bibliotecários terem vínculos e utilizarem outras bibliotecas além das que trabalham.

Particularmente, hoje eu sou usuários apenas das bibliotecas do Sistema de Biblioteca da UFPR. Empresto poucos livros na Biblioteca de Ciências Jurídicas, pois não é a minha área de formação, entretanto, as bibliotecas de ciências humanas e sociais aplicadas são minhas favoritas, nessas duas encontro os livros ligados à minha área de pesquisa. Sou assídua na Biblioteca Pública do Paraná apenas para os eventos culturais, ainda não tenho meu cadastro de usuária.

Durante o mestrado eu li muito. Foram inúmeros livros e artigos, depois disso voltei a vida "normal" e retomei a leitura dos romances que tanto gosto, mas não com tanto entusiasmo. Durante minha reflexão percebi que a TV já não rouba tanto o meu tempo, mas posso diminuir um pouco mais. Contudo, a internet é a grande vilã... quer dizer, eu sou a vilã, pois chego em casa e o primeiro aparelho que ligo é meu notebook. Acho que posso diminuir consideravelmente meu tempo em frente ao computador e dedicar mais tempo a leitura dos livros que estão a minha espera na estante da sala.

Falando em estante da sala, ontem à noite algo curioso aconteceu. Eu me sentei no sofá e com a estante a minha frente fiquei observando os livros e um sentimento de culpa surgiu, principalmente, porque estou um pouco confusa nos últimos dias...não sei se caso ou compro uma bicicleta....rsrsrs

Ao me levantar do sofá e passar os olhos pelos livros da estante, Umberto Eco me chamou por meio da capa do livro "A Memória Vegetal" presente da Comissão de Eventos do SiBi/UFPR pela minha participação como Mestre de Cerimônias no evento Semana do Livro e da Biblioteca do ano passado. Eu já havia passado os olhos por esse livro e inclusive li os dois primeiros capítulos, acabei trocando-o por outro... "Edições perigosas" de John Dunning. Entretanto, naquele momento senti que precisa saber o que Umberto Eco tinha para me dizer e para minha surpresa...o sábio autor tinha algo muito especial para compartilhar. Peço permissão para transcrever parte do capítulo "Reflexões sobre a Bibliofilia":

"O bibliófilo junta livros para ter uma biblioteca. Parece óbvio, mas a biblioteca não é uma soma de livros, é um organismo vivo, com vida autônoma. Uma biblioteca doméstica não é apenas um lugar no qual se juntam livros: é também um lugar que os lê por nós. Explico-me. Creio que, a todos os que têm em casa um número bastante alto de livros, já aconteceu passar anos com o remorso de não ter lido alguns deles, os quais durante anos nos espiam das prateleiras como para nos recordar nosso pecado de omissão. [...]
Mas, volta e meia, um dia pegamos um desses livros desprezados, começamos a ler aqui e ali percebermos que já sabíamos tudo o que ele diz. Esse fenômeno singular, sobre o qual muitos poderão dar testemunho, só tem três explicações razoáveis. A primeira é que, tendo tocado várias vezes aquele livro ao longo dos anos, para mudá-lo de lugar, desempoeirá-lo, ou mesmo só para empurrá-lo a fim de pegar outro, algo de seu saber se transmitiu, através das polpas dos nossos dedos, ao nosso cérebro, e nós o lemos pelo tato, como se ele estivesse em alfabeto braille. Eu sou Cicap e não creio nos fenômenos paranormais, mas neste caso sim, até porque não me parece que o fenômeno seja paranormal: é normalíssimo, certificado pela experiência cotidiana.
A segunda explicação é que não é verdade que não lemos aquele livro: sempre que o deslocávamos ou o desempoeirávamos, dávamos uma olhada nele, abríamos casualmente umas páginas, alguma coisa no aspecto gráfico, na consistência do papel, nas cores, falava de uma época, de um ambiente. E assim, um pouquinho a cada vez, absorvemos grande parte daquele livro.
A terceira explicação é que, no decorrer dos anos, líamos outros livros nos quais se falava também daquele, e assim, sem perceber, acabamos sabendo o que ele dizia (quer se tratasse de um livro célebre, do qual todos falavam, quer fosse um livro banal, de ideias tão comuns que os encontrávamos continuamente em outros lugares).
Na verdade, creio que são verdadeiras as três explicações. Todos esses elementos, reunidos, "aglutinam-se" miraculosamente e, juntos, concorrem para nos tornar familiares aquelas páginas que, legalmente falando, jamais tínhamos lido". (ECO, 2010, p. 46-48)

Longe de mim ser uma bibliófila, mas foi exatamente pela situação descrita acima que eu passei quando avistei meus livros na estante, sentimento de remorso e vontade de recuperar o tempo perdido, folheá-los e lê-los assim que possível. O mais curioso foi que a resposta a minha angústia veio naquele exato momento e pelas páginas do livro que segurei nas mãos. Como Eco (2010) afirma, podemos ler um livro de diversas formas, até mesmo pelo tato. Acredito que essa vontade de satisfazer a fome de leitura que senti naquele momento, é o suficiente para fazer de mim uma leitora em contínua formação.

ECO, Umberto. A memória vegetal: e outros escritos sobre bibliofilia. Tradução de: Joana Angélica D'Ávila. Rio de Janeiro: Record, 2010.



Comentários

Oscar disse…
Oi, Paula:
Veja como todo mundo pode ser meio "mentirosinho" de vez em quando: li em algum outro livro do Umberto Eco (quase certeza que seja no "Como Viajar com um Salmão", de crônicas)que, quando amigos vêem suas enormes estantes de livros, perguntam: Tudo lido?, ele responde satisfeito: Tudo!, para desespero dos visitantes, que sentem-se diminuídos face à sua cultura.
Mas talvez eu tenha interpretado mal. Talvez ele faça apenas para "sacanear", como a maioria das pessoas fariam.
P.S.: estou sugerindo que você ponha uma busca no seu blog, para dinamizar a leitura. Qual tema eu procurei? E-books. Se ainda não opinou, gostaria de saber.

Abraço

Oscar Pacheco
Paula Carina disse…
Oi, Oscar. Obrigada pela dica e pela visita ao blog! Acho que o campo de busca está meio escondido, vou deixar mais visível.
Ainda não li essa crônica do Umberto Eco. Entretanto, já li sobre os argumentos que ele usa quando lhe perguntam sobre a leitura de toda a sua coleção de livros. Veja o que foi declarado na entrevista concedida ao Estadão: "Ao pasmado visitante, boquiaberto diante de sua coleção de 30 mil volumes guardados em seu escritório/residência em Milão, ele tem duas respostas prontas quando é indagado se leu toda aquela vastidão de papel. "Não. Esses livros são apenas os que devo ler na semana que vem. Os que já li estão na universidade" - é a sua preferida. "Não li nenhum", começa a segunda. "Se não, por que os guardaria?"
Acho que ele faz para se divertir as custas desses ingênuos visitantes.

Ainda não opinei sobre e-books aqui no blog, obrigada pela dica. Vou pensar a respeito e em breve publico algo sobre o assunto. Até porque esse tema tem feito parte das minhas reflexões e estudos, ultimamente.

Abraço.

Paula Carina disse…
Esqueci de indicar o link para a entrevista concedida pelo Umberto Eco ao Estadão em 2010, segue:

http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,eletronicos-duram-10-anos-livros-5-seculos-diz-umberto-eco,523700,0.htm