Barreiras aos Ambientes e Culturas Criativas no Serviço Público

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Este é um espaço de compartilhamento de conhecimento e das minhas impressões sobre áreas de pesquisa que me interessam. Mas, também acaba sendo um espaço de desabafo, discussão de temas delicados.

O início da minha experiência profissional no serviço público não foi o mais agradável. Encontrei um ambiente hostil a qualquer mudança ou inovação. Um ambiente extremamente autoritário, competitivo e avesso às relações interpessoais. Mais do que isso, um ambiente que não priorizava as necessidades daqueles que faziam uso dos produtos e serviços oferecidos pela unidade.

Muitos anos se passaram e, de certa forma, presenciei e contribuí para grandes mudanças ocorressem junto com meus colegas. Mudanças inclusive no modelo de gestão, tanto na unidade onde eu trabalhava quanto para o Sistema de Bibliotecas (SiBi) como um todo. O SiBi sempre foi reconhecido como uma das melhores unidades para se trabalhar, com poucas exceções. Acredito que muitas das ações do Programa de Gestão do Conhecimento (PGC), proposto pela Suzana Zulpo e por mim e desenvolvido por um grupo de trabalho, contribuíram para as importante mudanças no ambiente organizacional do SiBi/UFPR ao longo dos últimos anos, mesmo que os objetivos do Programa não tenham sido alcançados na sua totalidade como imaginávamos, por inúmeros motivos que fugiram ao alcance da equipe responsável.

Por muitos anos atuei em uma área do conhecimento e o meu trabalho sempre me trouxe muita satisfação profissional. Dediquei-me a essa área, independente de ocupar ou não um cargo de chefia. Mesmo com muito investimento em capacitação para atuar naquela área, fui removida para outra unidade, sem considerar os impactos dessa decisão para a organização, sem considerar os interesses da administração pública, sem diálogo, porque era o desejo da minha chefe naquele momento. Relegando qualquer boa prática de gestão do conhecimento.

Hoje atuo como bibliotecária de referência em outra unidade. Compartilho com meus colegas e meu chefe imediato o desejo de desenvolver ações que fazem a diferença no dia a dia das pessoas que atendemos. Entretanto, vivemos um momento muito difícil em um âmbito maior, o que acaba limitando nossa atuação, o que tem adoecido as pessoas. 

No último ano presenciamos uma ruptura do processo democrático de escolha do Diretor/Diretora do SiBi/UFPR em nome de supostas melhorias. Essa ruptura afetou diretamente as pessoas que trabalharam tão duro para terem um ambiente democrático, oferecendo produtos e serviços de excelência (as avaliações anuais das unidades da UFPR não me deixam mentir) e buscando um ambiente de trabalho saudável.

O objetivo deste post não é discutir essa ruptura, as motivações e sua legitimidade, mas, avaliar o que uma mudança brusca e inesperada pode ocasionar ao ambiente organizacional. Qualquer mudança causa um grande impacto e desperta alguma resistência. Inicialmente, todos ficam alertas na expectativa das consequências boas e daquelas não tão boas assim, diante da tomada de decisão de uma nova equipe de gestão.

Ao ler um texto do José Claudio Terra, reconhecido por sua atuação em Gestão do Conhecimento, percebi o quando retrocedemos neste último ano. Ao abordar as sete dimensões da gestão do conhecimento, ele indica como uma das dimensões "cultura e valores organizacionais" voltados para a criação de um ambiente e cultura criativos. 

Ele lista alguns fatores impeditivos para a criatividade, baseado em Duailibi & Simonsen e percebo que muitos desses fatores estão presentes, especialmente, no serviço público. São eles:

A pressão para se conformar: no início da minha atuação no serviço público eu ouvia: "Nós sempre fizemos assim". Era um recado dos conformados que queriam transformar o meu modelo mental. Felizmente, em 11 anos eu não me conformei. E essa minha atitude e de muitos outros a minha volta fez com que evoluíssemos. Volto a ver sinais de conformismo nas reuniões, conversas informais, no dia a dia em geral, infelizmente.

Atitudes e meio excessivamente autoritários: pelas primeira vez, recentemente, senti na pele o impacto do autoritarismo excessivo no serviço público. Palavras e ações deixam muito evidente o cultura do medo e autoritarismo de quem não pretende seguir um modelo de gestão baseado no conhecimento, na criatividade e inovação, mas, de forma burocrática e engessada.

Intolerância para com as atitudes mais joviais: as organizações que aprendem precisam saber lidar com a diferença entre as gerações. Esse tipo de intolerância sempre ficou muito evidente desde o início da minha atuação no serviço público e hoje, novamente está presente. Sou criticada por me envolver em diferentes projetos, acontece que essa é uma característica da minha geração, a proatividade e o interesse por diferentes temas. Apontam-nos o dedo dizendo que gostamos de aparecer, que ocupamos o lugar que poderia ser ocupado por outras pessoas, mas, onde estão essas outras pessoas? Porque na hora de colocar mão na massa, restam poucos.

Hostilidade para com as personalidades divergentes: basta apresentar uma opinião contrária em uma reunião para ganhar um inimigo. Os proativos são conhecidos por metidos, os tímidos por malandros. Infelizmente, as pessoas não se contentam em desenvolver seu melhor e trabalhar em equipe para alcançar objetivos, elas tem necessidade de pré-julgar, olhar torto, apontar o dedo. Esse comportamento prejudica muito o desenvolvimento de uma organização criativa, mas, infelizmente, ele é potencializado muitas vezes pelos próprios gestores. Acredito que cabe ao gestor provar que personalidades e opiniões divergentes são o que há de mais rico na organização. Mas, se o próprio gestor não tem essa visão, fica muito difícil.

Um ano se passou e é nítido que um novo modelo de gestão foi implantado. Não se tem mais uma gestão baseada no diálogo e compartilhamento de conhecimento. Não se vislumbra nenhuma característica de um ambiente e cultura organizacional voltado para a criatividade. Pois, autoritarismo, falta de diálogo, hostilidade e intolerância não nos levam a lugar nenhum, especialmente, quando falamos de bibliotecas, locais onde o compartilhamento de conhecimento deveria estar em primeiro lugar, a começar por seus colaboradores.

REFERÊNCIAS

DUAILIBI, R.; SIMONSEN JUNIOR, H. Criatividade & marketing. São Paulo: McGraw-Hill, 1990.

TERRA, J. C. C. As sete dimensões da Gestão do Conhecimento. In: ____. Gestão do Conhecimento: o grande desafio empresarial. 2.ed. São Paulo: Negócio, 2001. p. 101-224.


Comentários

Jorge Cativo disse…
Adorei sua visão de mundo e objetividade em retratar a realidade do mundo burocrata de muitos e da solução e busca por mudança de tão poucos!
Não estais sozinha! Sigamos firmes e fortes na busca pelo que somos capazes de fazer para melhorar nosso ambiente apesar de tantos desafios!
Paula Carina disse…
Obrigada, Jorge. Seguimos buscando dias melhores!